quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Martha Medeiros

Eu tenho mania de entrar em livraria, olhar pro título de um livro e abrir pra começar a ler. Nessas, já comprei incontáveis. Da última vez, e pela primeira delas, li o nome da autora: Martha Medeiros. Era o livro novo dela, e fã confessa dela que sou, comecei a ler. O nome? 'Tudo que eu queria te dizer'. Me apaixonei de cara - tem muita coisa que eu queria ter dito e não disse na vida. No livro, eram cartas, fictícias ou não, vá saber. Li uma, duas, três, até minha mãe pegar o livro da minha mão e pagar pra eu continuar a leitura em casa. Acabei em menos de uma hora. Tudo bem que o livro era pequeno, mas é delícia demais ler Martha. E quando a gente se identifica, aí mesmo que já era, viaja nas letrinhas - ao menos eu, que amo ler. Enfim. Escolhi minha preferida e reproduzo aqui pra vocês:

"Não vou conseguir te olhar na cara, sua cadela. Prefiro escrever, porque assim evito de te matar. Eu é que não vou pra cadeia por tua causa, a criminosa aqui é tu. Tu, que matou dois: o bebê e eu. Abrotou nós dois. Não sei de onde tu tirou coragem pra fazer isso comigo. Aquele filho era a coisa que eu mais queria, te disse quantas vezes? Eu te amava, sua ignorante. Eu iria fazer de nós três a família mais bonita deste bairro, deste universo. Eu não tinha outro sonho na vida, sei que ia ser um moleque, nosso moleque, e tu me faz essa estupidez sem nem ao menos avisar. Não tivesse eu encontrado tua amiguinha no mercado, tu ia continuar dizendo que tinha perdido por azar, e o trouxa aqui ia continuar te cobrindo de carinho, achando que tu tava sofrendo mais do que eu, afinal, é mulher, e mulher é mais chorosa. Mas tu é uma mulherzinha de araque, não vai ser mãe nunca, teu útero vai apodrecer aí nesse teu corpo, tu vai ficar vazia pra sempre, oca, seca, pra aprender a não fazer mais sacanagem. Nunca mais quero te saber. Abre o armário e olha, tirei tudo o que é meu, fica com a casa e com o aluguel dela também, te vira sozinha daqui pra frente. Quem faz o que tu fez, sem pedir opinião, pode muito bem viver sem ninguém. Tu nunca mais vai ouvir falar de mim. Eu não sei se vou conseguir deixar de gostar de ti, nem sei se um dia vou querer ter um filho com outra mulher, eu queria muito que tivesse sido contigo, tu dizia que queria também, a gente tentou pra burro, quase dois anos sonhando, e quando acontece, tu me apronta essa, tira sem dizer nada, o que é que te deu? Não vou ficar pra escutar tuas desculpas, dizer que não tava preparada, vá se catar. Uma mulher feita, mais de 30 anos, vai tá preparada quando? Ninguém nunca tá preparado pra nada, mas eu tava aberto pra tudo, pros problemas e as alegrias que iam começar, menos pra ser apunhalado pelas costas como tu fez, sua ordinária. O que eu chorei naquela noite, quando tu me disse que o bebê não tinha vingado, bem no dia que eu tava no interior, tu escolheu o dia certinho, eu pra fora da cidade, e te encontro tarde na cama, quase madrugada, tu toda mole e com voz de quem tava doída, e era armação, tu foi lá e tirou, nem me perguntou antes, como se tivesse feito a criança sozinha. Não pensou em mim, não teve a decência. O que eu chorei, nem tem como dizer. Mas por ti não escorro mais uma lágrima, por ti não dedico mais um pensamento, vou pra bem distante e te extrair como tu fez com o bebê e comigo. E se eu souber que tu teve filho com outro, reza. Eu agüento quase todo balaço que me vez, mas traição de mulher que a gente gosta é desaforo além da conta, tu me deve essa e puxa tuas ave-marias pra eu não te pegar. Traíra, sem-vergonha, meu amor."

A revolta do cara, o jeito livre dele escrever, como se realmente tivesse dizendo aquilo tudo, tipo, gesticulando mesmo, nervoso, tremendo. É como eu me sinto quando escrevo com raiva, como ele deve ter escrito, ou como a Martha deve ter imagino ele escrevendo, enfim. Sobre o título do livro, "Tudo o que eu queria te dizer", aprendi com ele e agora digo. E eu disse. Se houver arrependimento, não vai ser pelo que não foi dito. Eu tentei.

2 comentários:

teste disse...

Nina,

Esta cada vez melhor os seus textos, adorei.

Abçs
Bruno
www.torrent-up.blogspot.com

Juliana Dias disse...

Adorei os textos, li alguns...parabéns!

Postar um comentário